A FUNDAÇÃO DA MISERICÓRDIA DA GUARDA

 

Texto elaborado por Francisco Manso, irmão da Misericórdia da Guarda, estudioso da História local.

 

Saber em que data exacta foi instituída a Santa Casa da Misericórdia da Guarda tem constituído um enigma e uma preocupação de todos aqueles que se têm dedicado à história da Guarda. Na ausência de melhores provas, e talvez por causa disso, os resultados têm sido diferentes de autor para autor. Costa Goodolphim e Fernando da Silva Correia colocam a sua fundação em data incerta, mas posterior ao século XVI. Osório Gama e Castro afirma ter sido fundada por Simão Antunes de Pina, em data desconhecida, mas nos finais do século XVI. Claro que não podia ser assim, como veremos, visto que faleceu em 1594.

Adriano Vasco Rodrigo não se lhe refere, apenas menciona o facto anterior. Na infopédia, no artigo sobre a Guarda, consta, erradamente, que Simão de Pina faleceu em 1611.


Pinharanda Gomes afirma que a Misericórdia foi fundada no séc. XVI, mas que só se organizou no na 2ª metade do séc. XVII.

Mas, deixando estes e outros autores, o que encontramos devidamente documentado, é o seguinte:

Em 1758, Bernardo de Sousa da Fonseca, prior da Sé; João de Matos Barreira, prior de S. Vicente; José Caetano da Fonseca, prior de S. Tiago; José Lopes Jerónimo, prior de S. Pedro; e Manuel Luís Lopes Ferreira, prior de Nossa Senhora da Vitória, que eram as freguesias então existentes na cidade da Guarda, afirmam que a Misericórdia foi fundada num outro local e que só mais tarde mudou para as actuais instalações da Igreja da Misericórdia e anexos. Ora, isso só foi possível porque o bispo da Guarda, D. Manuel Quadros, lhe doou o terreno, onde antes fora a antiga sé, mandada demolir por D. Fernando, e porque, ao mesmo tempo, recebeu um importante legado de 8.000 cruzados para a construção do edifício e casa, de Simão de Pina. Ora, se Simão de Pina morreu em 1594 e D. Manuel Quadros foi bispo da Guarda entre 1585 e 1593, o edifício da igreja da Misericórdia foi começado no período que medeia entre a vinda e a saída do bispo da diocese. Naturalmente, nessa altura a Santa Casa estava instituída.

Mas, há mais: Em 1551, num regimento de esmolas de açúcar mandado fazer por ordem de D. Manuel I, consta numa nota adicionada na sua margem esquerda, que deu el Rey a Misericordia da Guarda iiii arrobas d’açúcar e ii arrates d’açucar de Janeiro de bc li em diamte. O documento inicial foi feito em 1518, por ordem de D. Manuel I, mas, este faleceu em 1521, trata-se, pois, de uma anotação posterior, datada de 1551. É uma importante informação que nos identifica já uma data concreta para a fundação da Santa Casa.


Recuemos mais, ainda.
No inicio da fundação das Misericórdias era uma pratica relativamente corrente o rei autorizar a realização de pedidos de esmola numa determinada zona a favor de uma Misericórdia. Mas, para que não houvesse conflitualidade de interesses, onde já houvesse uma Misericórdia instituída não podia ser outra de fora a fazê-lo. Foi assim que aconteceu com a Misericórdia de Almeida, que tinha o exclusivo do peditório nas terras de Riba-Côa, por ser um território de grande estrada e onde não havia mais nenhuma Misericórdia.

O mesmo aconteceu com a Misericórdia da Covilhã, que tinha autorização real para esmolar num círculo de seis léguas para além do seu termo. Nesse sentido, o então bispo da Guarda, D. Jorge de Melo, ordenou ao clero da diocese que se acatasse tal decisão. Essa ordem foi dada em 10 de Julho de 1542, através de um seu representante, mas que contempla uma excepção muito importante: NA CIDADE DA GUARDA, NÃO! E Porquê? É que a Guarda já tinha misericórdia erecta, diz o bispo.

Ou seja, a Santa Casa da Misericórdia da Guarda é bem mais antiga do que se pensava, e recua, pelo menos, a Julho de 1542. Mas, não desanimemos, que a história desta Santa Casa, cada vez mais dinâmica e progressiva, ainda será mais longa, e ainda mais terá para nos dar.


REFERÊNCIAS:

  • CARDOSO, padre Luís
  • CASTRO, Augusto
  • DIAS, Carvalho
  • GOODOLPHIM, Costa
  • LEAL, Pinho
  • PINHARANDA, Gomes
  • PAIVA, Pedro, e BARRETO, Ângela
  • Arquivos Diversos

 

País

A primeira Misericórdia que surgiu em Portugal, foi a Misericórdia de Lisboa, fundada pela Rainha D. Leonor, viúva de D. João. As restantes Misericórdias foram depois impulsionadas pelo Rei D. Manuel I e contaram com a ajuda das populações de cada localidade onde foram surgindo. A expansão das Misericórdias por todo o reino inseriu-se num esforço da Coroa em organizar a assistência. A origem destas instituições integrava-se ainda nas novas formas de espiritualidade e devoção que chamavam os leigos a viver a sua fé.

As principais razões da fundação e rápida expansão das Misericórdias portuguesas logo no século XVI são, em síntese, de ordem espiritual ( porque os leigos aplicavam e viviam a sua doutrina) e de Estado, pois foi uma forma de afirmação do poder régio ao controlar e tornar muito mais eficaz a assistência.

As Misericórdias portuguesas não eram nem são equivalentes a instituições homónimas como o caso das Instituições italianas (as mais antigas) ou espanholas, pois nesses países nunca pretenderam praticar todas as obras de misericórdia, mas apenas algumas. A originalidade das Misericórdias portuguesas prende-se, por isso, à prática das 14 obras de misericórdia.